Quadrinhos digitais e financiamento online
Rick Troula
24 de Janeiro de 2013
Além desses quadrinhos digitalizados existem cada vez mais os quadrinhos feitos para serem digitais usando recursos do ambiente digital em sua forma de leitura. E não falo aqui dos motion comics, que descaracterizam a narrativa de quadrinhos e são mais uma exploração barata de recursos de animação do que uma história em quadrinhos potencializada; falo sim dos quadrinhos que exploram as possibilidades narrativas que a navegação e a interação do leitor com o ambiente digital trazem. Recursos e possibilidades que já são explorados há um bom tempo, como Soctt McCloud destacou no seu livro de 2000 Reinventando Quadrinhos, mas nos últimos anos vem se diversificando e atraindo a atenção de muitos quadrinistas dispostos a explorar o ambiente digital. Nestes dois exemplos de Yves Bigerel About Digital Comics e About about Digital Comics (imagem ao lado) o autor explora algumas possibilidades narrativas para os quadrinhos em uma mídia digital.

Para citar um exemplo, Wormworld Saga de Daniel Lieske é um gibi digital que surgiu nas horas vagas do autor e através do Kickstarter se tornou a ocupação regular deste. No ano passado o projeto foi financiado com sucesso através do site e possibilitou a criação de um aplicativo para iPad que serve de plataforma para a graphic novel online. Os 4 capítulos lançados até agora narram a história de um garoto em um mundo encantado de fantasia e são lidos de forma mais confortável em um iPad do que em outras mídias, especialmente pelo formato de scroll do layout. O gibi foi publicado impresso na Europa e é possível lê-lo em qualquer computador, mas é mais confortável ler as longas páginas no iPad. Obviamente que a Wormworld Saga não se caracteriza pela inventividade na utilização do recurso digital, abusar do scroll não é novo nem tão prático, mas o layout do gibi e a forma como o autor explora esse “eterno” scroll é sim muito interessante e bem explorado. Mesmo porque a graça do gibi, para mim pelo menos, é a arte, pois a história apesar de não ser ruim, não prende tanto assim.
Claro que não estou dizendo que tudo são flores, nem teria condições de avaliar isso. Mas ao olharmos os números é possível notar que pouco menos da metade dos projetos de quadrinhos lançados no Kickstarter atingiu o valor objetivado. Parte disso se deve a fraca divulgação da campanha de financiamento e pobres explicações das propostas, muitos dos quadrinistas famosos acreditam que


Dois assuntos povoaram a grande maioria dos textos que eu li sobre quadrinhos nesse fim de ano, fosse em análises sobre o ano de 2012 para os quadrinhos, fosse sobre as expectativas para 2013 ou fosse sobre o melhor de 2012: quadrinhos digitais e Kickstarter. Se você se perguntou o que um tem a ver com outro, a resposta mais direta é que ambos estão no olho do furacão no que vem se apresentando como uma revolução na publicação dos quadrinhos nos Estados Unidos.
Os quadrinhos digitais já não são mais uma novidade e tampouco se resumem a gibis tradicionais digitalizados, é possível hoje entendê-los como uma mídia específica que cada vez mais descobre suas possibilidades como linguagem. Os gibis tradicionais que são digitalizados já respondem por uma parcela significativa dos quadrinhos lidos e crescem cada vez mais na porcentagem dos quadrinhos vendidos. O Comixcology, principal programa de comercialização de gibis digitalizados, foi o terceiro aplicativo mais vendido na Apple Store em 2012. E o que é muito interessante é que se observou que o aumento nas vendas dos quadrinhos digitalizados não significou uma queda nas vendas dos quadrinhos impressos, ao contrario do que se esperava essas vendas subiram. É cedo para dizer que um é a causa do outro ou mais importante, que isso será sempre assim, mesmo porque conforme a geração de leitores for mudando e mais e mais leitores acostumados a ler quadrinhos digitais assumam as compras é difícil imaginar que os quadrinhos impressos se mantenham da forma que são. Mas é cedo para cravar qualquer conclusão mais aprofundada.

Cada vez mais vemos outros criadores buscando suas próprias publicações através do ambiente digital e explorando as possibilidades, mesmo que seja para publicar gibis tradicionais no formato digital. E é importante estabelecer que não estou fazendo qualquer juízo de valor entre quadrinhos impressos, que eu chamei de tradicionais e quadrinhos digitais. Estou meramente conjecturando sobre as possibilidades.
E caso esses quadrinistas queiram ainda publicar seus próprios gibis ou mesmo estruturar a forma como seus quadrinhos são lançados e lidos no universo digital o Kickstarter surge como solução. Kickstarter é uma empresa de financiamento coletivo (crowdfunding) lançada em 2009 que oferece através de seu site a possibilidade de se conseguir custeio para projetos usando a internet. O Kickstarter se tornou um grande aliado de qualquer um que queira lançar algum produto, mas não tenha o capital necessário. Segundo relato anual do próprio Kickstarter, em 2012 mais de 2 milhões de pessoas contribuíram com projetos através do site para custear mais de 300 milhões de dólares em pouco mais de 18000 projetos. E esse dinheiro veio de 177 países! Eu entre eles, ajudei a custear pelo menos 2 projetos. E não estou sozinho obviamente, pois dos 1170 projetos de quadrinhos lançados para coleta no Kickstarter em 2012, 543 tiveram sucesso. Não é a toa que a Publishers Weekly elegeu o Kickstarter a segunda maior “editora” de graphic novels. A idéia é muito boa, porque essencialmente você está pagando para um gibi ser feito sendo que você o compraria se ele fosse lançado por uma editora. E nesse caso, além do dinheiro ir para o autor fazer o gibi do jeito que ele quiser é possível ainda conseguir extras muito interessantes dependendo de quanta grana você esteja disposto a gastar.
Ou nestes dois exemplos mais próximos da arte sequencial tradicional, porém adaptados ao universo digital: Platinium Grit de Trudy Cooper e Danny Murphy e o fantástico preview do novo gibi online de Cameron Stewart intitulado Niro (imagem abaixo).
Ambos trabalham um formato diferente e manipulam o ritmo de exposição do leitor, mas ainda mantem muito da estrutura tradicional. Cameron Stewart, aliás, é um quadrinista que já trabalhou em grandes títulos impressos, como Batman e Catwoman, e ganhou um Eisner em 2010 de Melhor HQ Digital com Sin Titulo, ótimo thriller de ficção concluído no ano passado.
Fora a parte criativa do processo e essa possibilidade de explorar a narrativa dos quadrinhos em uma mídia com recursos diferentes, o quadrinho digital trouxe infinitas possibilidades e uma libertação para quadrinistas do mundo inteiro que buscam publicar seus trabalhos. No mercado tradicional, para se ter um trabalho publicado é preciso ter uma editora, distribuição, impressão e tantos outros meandros que acabam por limitar a quantidade de pessoas que conseguem fazê-lo. E, além disso, entrar no mercado requer um outro número de passos e caminhos que acabam por selecionar mais ainda aqueles participantes. Com os quadrinhos digitais, qualquer um pode publicar seu próprio gibi e fazê-lo chegar a um potencial numero de milhões de leitores. Possibilidade que inclusive tem atraídos profissionais de quadrinhos impresso, como declarou Mark Waid em sua recente entrevista para o Robot 6.
apenas seu nome será suficiente para conseguir o financiamento o que claramente não é verdade; e muitos dos projetos lançados são pouco explicados e mostrados o que da pouca segurança para se investir. Pois afinal de contas a idéia é boa, as possibilidades são ótimas, mas investir dinheiro em um projeto ou em um produto que ainda não foi feito requer um certo convencimento.
Mas ainda assim, a possibilidade de ver os meus quadrinistas favoritos publicarem os gibis que eles queiram fazer me anima muito. Se há um artista que eu gosto muito e eu adoraria ver um livro de arte dele ou eu naturalmente compro todos os gibis que o cara participa, porque não ajudar a financiar uma publicação dele? E há o apelo do “apoio” da comunidade que é sempre encantador. Me parece que nunca foi tão possível publicar o próprio gibi, seja digital ou impresso. O que você acha? E quais bons quadrinhos digitais você leu ultimamente?
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