Introdução ao EO (Parte 1/2)
Luĉjo
19 de Julho de 2013


Esperanto: O que e para que?
Saluton! Sejam bem vindos ao primeiro artigo de uma série de introdução ao Esperanto! Em cada artigo da série entrarei em detalhes diferentes sobre este idioma, de introduções e dúvidas frequentes até exemplos práticos. Ao final de toda a série você estará bem informado sobre o tema e poderá avaliar melhor a utilidade do Esperanto para você pessoalmente. Não faltam boas fontes e cursos gratuitos para aprender o Esperanto na internet, logo o meu foco não será ensinar o idioma passo-a-passo, mas sim informar adequadamente aos interessados do que que se trata, e o porque pode ser uma experiência única, profunda e muito humana.
Peço encarecidamente, caros leitores, que não tirem conclusões precipitadas antes da série estar terminada (ou antes de se informar em fontes confiáveis), pois é um assunto, digamos… controverso. Mas vamos ao que interessa!
O que é Esperanto?
Esperanto é uma língua construída, ou seja, um idioma projetado, diferente dos idiomas nacionais, que são origem da história do seu uso e das culturas que os utilizam. Em inglês são chamadas de “conlangs”, que vem de “constructed languages”. Inúmeras línguas auxiliares foram criadas ao longos da história; Esperanto não foi o primeiro e certamente não o último. Outras línguas como o volapük e o solresol nasceram, assim como o Esperanto, no século XIX; já outras, como o lojban e o ithkuil, são bem recentes, tendo nascido nos últimos anos.
Existem diferentes tipos dentre as línguas construídas:
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As línguas lógicas, como o ithkuil, que são criadas em caráter experimental com algum propósito específico. Não necessariamente são criadas com o objetivo de realmente serem utilizadas para a comunicação.
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As línguas artísticas, como as línguas élficas criadas por Tolkien ou o klingon do universo de Star Trek. Estas são criadas por seu efeito estético, principalmente para universos fictícios ou então são criadas “porque é legal” ou para serem usadas como linguagem secreta.
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As línguas auxiliares internacionais, criadas com o objetivo de servirem como ferramenta de comunicação entre pessoas de diversos países.
O Esperanto faz parte dessa última categoria, a de línguas auxiliares, e foi criada com este objetivo: se tornar a segunda língua de todo o mundo. Você deve se perguntar se ele ainda existe, afinal eu mencionei que o Esperanto foi criado no século XIX, e você talvez nunca nem tenha ouvido falar dele, muito menos de alguém que saiba falar nesse idioma. De fato, o Esperanto (ainda) não atingiu o objetivo primordial de seu criador, mas conquistou muitas coisas e, certamente, não morreu. Aqueles que nunca nem sequer ouviram falar deveriam saber que existem (pasmem!) uns 2 milhões de falantes de Esperanto, para mais, ao redor do mundo!
Calma, calma! Não se afobe nem torça o nariz ainda, pois há muito o que conversar. Vamos ver um pouquinho da história do Esperanto, versão reduzidíssima, pois o que não falta são textos detalhados sobre isso.

Nasce uma estrela verde
Era uma vez um senhor simpático. Ele era simpático pois tinha uma barba épica e óculos estilosos, como podem ver. Brincadeiras à parte, este senhor (que não era senhor ainda, na verdade), se chamava Ludwik Lejzer Zamenhof. Zamenhof era um jovem médico polonês que morava na cidade de Bialystok, onde havia uma mistureba complexa de idiomas sendo falados (polonês, russo, alemão, entre outros). Zamenhof acreditava que, se todos conseguissem se comunicar facilmente e de igual para igual, muitos conflitos poderiam ser evitados e a paz seria um objetivo menos utópico e mais verossímil.
Zamenhof era estudioso e compreendia muitos idiomas, inclusive latim, e resolveu criar um idioma novo, puxando aspectos, palavras e estruturas de diversas origens. Ele focou em criar uma estrutura que fosse o mais simples de compreender o possível, para que o aprendizado fosse fácil, mas ao mesmo tempo não queria perder as sutilezas e complexidades de sentido. Esse era realmente o grande desafio. Entendam: inventar uma língua não é difícil, o difícil é fazer com que ela funcione e seja plausível.
Pouco antes do lançamento oficial do Esperanto em 1887, nasceu o Volapük, outro idioma com o mesmo propósito, criado pelo alemão Johann Martin Schleyer, a pesar de Zamenhof não estar ciente disso. O Volapük, porém, não durou muito tempo, justamente por não passar do teste prático. Quando finalmente foi montada uma convenção de entusiastas do idioma, as pessoas não conseguiam se entender muito bem, e começou um troca-troca de línguas. O Esperanto, por outro lado, passou por todas as fases de provação: de projeto de língua passou para semi-língua, ou seja, funcional mas ainda “crua”, sem histórico, cultura, etc; e desse estágio o Esperanto passou para a categoria de “língua viva”, ou seja, um idioma completo, funcional, com literatura própria, música e uma cultura internacional única e fascinante, resultado de quase 130 anos de evolução.
Mesmo depois de todo esse tempo, e com todas as intempéries do caminho (como duas guerras mundiais e ditadores caçando e prendendo falantes do Esperanto), ele sobreviveu e é utilizado em todos os cantos do mundo, por pessoas de todas as nacionalidades e culturas. Embora o idioma tenha evoluído, como ganhar palavras necessárias para termos científicos mais modernos, graças à sua estrutura, os textos escritos pelo próprio Zamenhof há mais de um século seguem as mesmas regras e vocabulário, sendo compreendidos mesmo por novatos no idioma.
E qual é a do nome? É coisa de espírito?
O nome da língua nem sempre foi Esperanto. Ao criá-la, Zamenhof batizou-a de “Lingvo Internacia”, ou seja, “Língua Internacional”, puro, simples e direto, como pizza de mozzarella. Porém, ao escrever seus textos, Zamenhof assinava como “Doutor Esperanto”, sendo que “Esperanto” significa, em Esperanto, “aquele que tem esperança”. Como o sucesso foi grande mesmo na época (o bastante para desbancar totalmente o volapük), resolveram adotar o pseudônimo como nome para o idioma. Esse é o motivo de escrever Esperanto com “E” maiúsculo, para não confundir com a palavra “esperanto” no sentido literal.
Ainda há quem ache que o nome tem algo a ver com espíritos. Isso é um grande mal-entendido gerado pelo fato de que a comunidade espírita em geral adotou o Esperanto como linguagem para comunicação internacional em certos segmentos. Como o espiritismo tem presença forte no Brasil, muitos dos cursos oferecidos são ministrados em centros espíritas, e alguns dos livros didáticos em português foram publicados por editoras espíritas. O fato de o melhor dicionário Esperanto-Português ter sido escrito por um sujeito chamado Allan Kardec Costa não ajuda a quebrar esse pré-conceito.
Afinal, como que é essa coisa?
Existem dois tipos de línguas construídas no que diz respeito a vocabulário: línguas a priori e a posteriori. Línguas a priori são aquelas que são inventadas o zero e as palavras não tem relação alguma com idiomas existentes. As línguas a posteriori, portanto, são aquelas que se baseiam em idiomas existentes, o que é o caso do Esperanto.
O Esperanto possui um vocabulário baseado em algumas línguas, como línguas latinas, línguas eslavas e línguas germânicas. Sua estrutura, porém, tem certos aspectos que são encontrados em línguas orientais, como o chinês e o japonês. De fato, o vocabulário é aprendido muito mais facilmente por ocidentais (sorte nossa!), mas isso não quebra o princípio de neutralidade. Zamenhof teve que fazer uma escolha ao criar o vocabulário, e sabia que tinha que ser o mais prático possível. Mesmo culturas como a chinesa já tinham contato com o mundo ocidental e seus idiomas, logo, alguma familiaridade aqui e ali existia. Por outro lado, optar por uma língua a priori significaria que seria dificil para todos, fazendo com que as pessoas desistissem de aprender. Foi esse um dos motivos que o volapük falhou, os sons não foram tão bem assimilados, mesmo tendo algumas bases em línguas nacionais, pois não havia muita base de comparação.
Uma língua auxiliar tem um dever: funcionar. Zamenhof tomou uma decisão que poderia ter sido equivocada, mas não foi. O Esperanto é muito bem aceito no oriente, principalmente na China e no Japão. A primeira rádio em Esperanto do mundo, se não me engano, foi chinesa, e até hoje a comunidade Esperantista chinesa é bem ativa. Há comunidades grandes em países árabes (como o Irã) e na África também. Ao contrário do que muitos imaginam, o movimento é muito forte nos EUA também.
Enfim, voltando ao tópico, como que é e como que funciona?
O Alfabeto é basicamente igual ao nosso, com algumas mudanças. As consoantes “Q, W, Y e X” não existem, mas há algumas letras diferentes, que são “Ĉ, Ĵ, Ŝ, Ĝ, Ĥ e Ŭ”:
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O “Ĉ” tem som de “tch”, como em “match” em inglês;
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O “Ĵ” tem o som de J em português, como em “manjar”;
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O “Ŝ” tem som de X como em “eixo”;
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O “Ĝ” tem som de J como em inglês “James Bond” ou o D em português em palavras como “dia”;
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O “Ĥ” é uma letra que aparece pouco, mas é como o RR em “carro”, só que mais arrastado na garganta, como alguns sons árabes ou o R em francês;
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O “Ŭ” nada mais é que um W, como em “William”, serve como um U curto.
Algumas letras funcionam diferente de como um brasileiro esperaria:
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O “C” tem som de “TS” como em “tsunami”. O som da letra C na palavra “casa” é sempre representado pela letra K em Esperanto;
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O “J” funciona como um Y, ou seja, uma semi-vogal com som de I, como em “Yoda”. Em esperanto, é o J que transforma uma palavra em plural;
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O “H” é sempre pronunciado como em inglês “hand” ou o R em português em palavra como “roubo”.
Por que essas letras diferentes? Simples, para que a escrita fosse clara, Zamenhof decidiu que haveria uma letra para cada som, e nunca mais de um som por letra. Assim, toda vez que olhar para uma palavra saberá como pronunciá-la.
Outra coisa interessante: em Esperanto, todas as vogais sempre tem o mesmo som. Em português temos o A de “casa”, mas também o A de “mandar”. Em Esperanto, A tem sempre som de “casa”, E tem som de “eu”, I tem som de “índio”, O tem som de “hospital” e U tem som de “urso”.A pronúncia fica ainda mais simples com as regras de entonação. Toda palavra em Esperanto tem o “acento” na penúltima vogal, lembrando que “J” e “Ŭ” tem som se vogal, mas se comportam como consoantes. Logo, as palavras “homo” (homem), “Brazilo” (Brasil) e “Veturi” (ir dirigindo), são pronunciadas “HO-mo, Bra-ZI-lo e ve-TU-ri”.
As palavras principais são representadas por radicais. Um radical é uma “raíz” que representa um sentido e, dependendo do que você “gruda” nele, ele ganha uma função na frase ou um significado diferente. Por exemplo, vamos pegar o radical “Am-”, que quer dizer “amor”. Porém, por si só não quer dizer nada, pois precisamos completar o radical com alguma coisa:
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A terminação para substantivos é a letra “O”, logo “Amo” significa “amor”.
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A terminação “A” indica adjetivo: “Ama” significa “amoroso”
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“E” indica advérbio (palavra que dá qualidade a um verbo ou adjetivo): “Ame”=“amorosamente, com amor”
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“I” indica verbo no infinitivo: “Ami”=“amar”
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Os tempos verbais (passado, presente e futuro) são indicados por “IS, AS e OS”, respectivamente: “Amis, Amas, Amos”=“Amou, Ama, Amará” (Obs, em Esperanto você não precisa mudar o verbo de acordo com a pessoa - Eu, ele, eles, nós… - a terminação é a mesma)
Há mais terminações que não mencionarei aqui, mas já deu pra perceber que, só com o radical de “amor”, já criamos diversas palavras que precisariam ser aprendidas separadamente em outros idiomas.
E não para por aí! Há sufixos e prefixos que servem para dar outros significados e derivar ainda mais palavras! Por exemplo, o prefixo “MAL-“ inverte o sentido da palavra, logo “Malami” (Mal+am+i) significa “o oposto de amar”, ou seja, “odiar”. Há o sufixo “-UL” que significa “pessoa”, então “Amulo” (Am+ul+o) é “pessoa que ama”. Podemos juntar tudo e dizer “Malamulo”, “pessoa que odeia”.
Gosto de usar o famoso exemplo do hospital. O Esperanto, por mais que contenha muitos sinônimos e radicais específicos para as coisas, permite que você crie a palavra que quiser, como já vimos. Logo, sempre foi dada a preferência para palavras formadas com o que já existe, para diminuir o número de palavras a serem decoradas.
Vejamos como construímos a palavra hospital:
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O radical “san-“ quer tem o sentido de “saúde”: sano (saúde), sana (saudável)…
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Com o prefixo “mal-“, criamos o oposto de saúde: “malsano” (doença)
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Com o sufixo “-ul”, mostramos que falamos de uma pessoa: “malsanulo” (pessoa doente)
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Com mais um sufixo, “-ej” (pronuncia-se “ei”), que significa “lugar”, fechamos o raciocínio: “malsanulejo” (lugar para pessoas doentes=hospital)
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Não é bacana? Calma, fique tranquilo. Se você não quiser usar essa palavra, pode usar o radical “hospital-“ e chamar o hospital de “hospitalo” mesmo. O importante, é que você pode escolher; e nenhuma versão ou construção é melhor ou mais certa que a outra.
Vejam, caros leitores, isso foi uma introdução MUITO breve e por cima. Há inúmeros recursos e outras coisas divertidas para aprender, mas não é o foco deste texto. Porém, há algo que já vale a pena saber sobra a gramática do Esperanto:
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É formada por apenas 16 regras básicas (imagina que maravilha?)
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Não há exceções nem irregularidades (seus problemas acabaram!)
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Em menos de duas semanas, com meia horinha (ou menos) por dia, você pode aprender toda a base gramatical e adquirir um vocabulário para sair usando o idioma imediatamente! Isso mesmo, conversar com outras pessoas, ouvir musicas, ler textos. Claro algumas coisas serão mais difíceis, mas com um dicionário à mão (online e gratuito, que tal?), você consegue compreender qualquer palavra ou termo que aparecer, sem perder tempo com frescuras.
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Nenhumas dessas facilidades diminui a eficácia do idioma. Você pode se expressar o quão profundamente quiser, ler e escrever poesia, discutir política, escrever uma tese científica. Não faltarão palavras nem ferramentas para isso.
E para que serve na prática?
Bom, já discutimos sobre o que é e de onde veio o Esperanto. Porém, para que ele serviu e para que serve hoje em dia?
Como já mencionado, o objetivo mais forte do Esperanto era, aos olhos de seu criador, que ele se tornasse a segunda língua mundial. É importante frisar isso: segunda língua mundial. O movimento Esperantista nunca teve como objetivo substituir as línguas do mundo. Muito pelo contrário, os Esperantistas tendem a se preocupar bastante com a preservação de todos os idiomas, não importa o quão pequenos. Tendo isso como foco, inúmeras convenções mundiais foram realizadas desde seus primórdios, e sempre com sucesso. Numa convenção de Esperanto, pessoas de dezenas de países se reúnem e discutem diversos assuntos sem nenhuma ajuda de tradutores ou intérpretes. Todos conversam, fazem novas amizades, aprendem sobre a cultura local, enfim, tudo que você faria em uma viagem se conseguisse se comunicar com tranquilidade com os nativos.
Vejam, não quero entrar em discussões polêmicas ainda. Há muitas perguntas que surgem neste momento, como “mas o inglês já não faz exatamente isso?”. A resposta curta é: não. Como disse, entrarei em detalhes dos porquês no próximo artigo, mas já adianto um detalhe:
neutralidade
O Esperanto nunca buscou apenas ser uma língua para que todos pudessem conversar. Qualquer um pode estudar qualquer língua e tentar conversar com outros que falem aquela língua. O Esperanto resolveu a parte do “tentar” criando uma estrutura que permite que uma pessoa se torne fluente até 5 vezes mais rápido do que estudando outro idioma. Mas ainda há outro fator importantíssimo: O Esperanto é neutro. Em outras palavras, o Esperanto não pertence à nenhum país ou cultura específicos. Falar em Esperanto implica necessariamente que todos os falantes conversam de igual para igual, sem imposição de uma cultura sobre a outra, sem poderes políticos envolvidos. O fato de ser simples de aprender também faz com que as pessoas atinjam a fluência muito mais rápido, sendo que, por mais que você estude a vida toda, nunca será como um nativo de outra língua nacional.
Aliás, existem Esperantistas nativos! Sim, isso mesmo. Nativo no sentido de “nascença” e não “nação”. Lembra das convenções? Então, o que acontece quando duas pessoas de culturas diferentes se dão muito bem numa convenção de Esperanto? Elas casam, fazem filhos, e ensinam Esperanto para eles, já que é a língua que usam para se comunicar em casa. Hoje já existem nativos de terceira geração, netos de Esperantistas nativos. Porém, devido à facilidade no aprendizado, qualquer Esperantista que use o idioma com frequencia e tenha estudado direitinho poderá falar tão bem quanto esses nativos. Além disso, continua não havendo hegemonia política nenhuma envolvida.
Bom, mas é claro que, mesmo com a evolução grande do Esperanto nesses quase 130 anos de história, ainda tem chão para chegarmos nessa situação de segunda língua mundial não é mesmo? Então para que mais serve? Por que alguém estudaria esse idioma hoje em dia?
respostas na segunda parte desse artigo em 15 dias.....
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