Eric Diaz

Conveniência e as quatro divisas
30 de Junho de 2013
Na era digital, a conveniência é muitas vezes mais relevante do que o custo em dinheiro ou consciência
Seguindo nossa série de artigos sobre as características mais importantes dos produtos e serviços digitais, vamos falar um pouco daquela que, possivelmente, é a mais desejada e relevante de todas: a conveniência.
Um excelente texto curto que se relaciona com o tema é “Piracy and the four currencies”, que trata das quatro moedas ou divisas utilizadas na compra de algo pela internet. Como explica o autor, a ideia de que a pirataria existe porque ela gera uma economia em dinheiro para o consumidor deixa de considerar outros três custos envolvidos na aquisição de um serviço, ou seja, tempo, “pé no saco”, e integridade.


O custo em tempo e dinheiro já são conhecidos. O custo “pé no saco” (“pain-in-the-butt-dollars”) representa basicamente a dor de cabeça envolvida em adquirir um produto. Exemplos são DRM (“gestão de direitos digitais”, ou seja, as restrições colocadas na mídia digital para limitar sua difusão), se arriscar a pegar um vírus ou uma cópia ruim num site dedicado à pirata, ter que converter um formato de mídia, fazer login, fornecer dados pessoais, e assim por diante.
Quanto ao custo de integridade, é o custo “moral” de se fazer algo potencialmente ilegal e que pode prejudicar os desenvolvedores dos serviços buscados, ou mesmo a humanidade como um todo.
Todos esses fatores, é claro, são muito subjetivos: alguém desempregado pode ter uma disponibilidade de tempo maior do que de dinheiro, enquanto outros podem se recusar terminantemente a violar qualquer lei, por mais tormento que isso lhe cause. O fator “pé no saco” de lidar com DRM pode ser intransponível para alguém sem muitos conhecimentos técnicos, ou um mero inconveniente para um hacker experiente.
A integridade, em especial, é extremamente pessoal, dependendo não só do consumidor, mas muitas vezes também da imagem do artista ou produtor. Por exemplo, alguns sentiriam um peso maior no coração ao trazer um prejuízo potencial para um artista independente que trata seus fãs como aliados do que ao prejudicar um grande detentor de direitos autorais alheios que enche seus produtos de DRM irritante e gasta bilhões de dólares para financiar legisladores que defendem um controle absoluto da internet, enquanto para outros qualquer tipo de pirataria é errado, e uns tantos podem se recusar a patrocinar qualquer tipo de DRM ou lobby organizado contra nossos direitos digitais.
Muitos produtores de conteúdo veem a pirataria como um obstáculo invencível, justamente porque são incapazes de competir com algo que tem preço zero, e alguns argumentam que somente leis draconianas (ou, quem sabe, algumas campanhas “descoladas” ou abertamente violentas para convencer a criançada de que copiar uma arquivo é moralmente errado) são capazes de impedi-la.

Na verdade, para muitas pessoas os outros custos são muito mais relevantes do que o simples custo em dinheiro. E há muitos sinais de que serviços com um alto grau de conveniência – ou seja, baixo custo de tempo e “pé no saco” - são plenamente capazes de vencer serviços baratos ou gratuitos.
Empresas e serviços famosos como Amazon, iTunes, Netflix, Apple TV, comiXology, Steam e outros tem sucesso não por causa do preço – piratear é sempre mais barato – mas por causa da conveniência que proporcionam ao consumidor. Tais serviços fazem sucessos mesmo com preços relativamente altos e integridade duvidosa – o iTunes, por exemplo, cobra dez dólares por um “disco”, paga uma parcela pequena disso aos artistas, o comiXology enche seus arquivos de DRM e “aluga” os quadrinhos que diz “vender”, assim como a Amazon com seus livros, e assim por diante.
O Huffington Post, em uma matéria recente, revelou que o número de cópias piratas de Arrested Development é surpreendentemente pequeno comparado a outros shows de TV populares, dizendo que o show está disponível no Netflix, que já é barato o suficiente, ao contrário de, por exemplo, Game of Thrones.

Na verdade, essa análise é um tanto superficial – assistir Arrested Development no Netflix é não apenas mais barato, mas sobretudo mais FÁCIL e RÁPIDO do que assistir Game of Thrones legalmente. Há milhões de pessoas prontas a pagar para assistir (a excelente) Game of Thrones, mas nem um pouco dispostas a comprar todos os outros programas ou canais necessários (ou mesmo serviços de dados, telefonia, etc., naquelas vendas casadas que mostram, talvez, alguma fragilidade em nossas leis de proteção ao consumidor) para obter uma assinatura da HBO, ou a assistir o programa no horário predeterminado pela emissora, ou gravá-lo de alguma forma.
Assim, se você é um produtor, desenvolvedor ou criador, nosso conselho é o seguinte: facilite a vida dos seus consumidores, e você ganhará sua admiração, lealdade e boa vontade, além de tornar o mundo um lugar um pouco menos pé no saco para todos.
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